Ponto de torra do café
- Anna Openheimer
- 2 de abr.
- 3 min de leitura

A torra do café é uma arte e uma ciência. É nesse momento que os grãos verdes revelam seu potencial aromático e sensorial, transformando-se na bebida que conquista paladares ao redor do mundo. Mas esse processo vai muito além de apenas escurecer os grãos – ele envolve reações químicas complexas que definem a doçura, a acidez, o corpo e a intensidade de cada café.
Para entender essa transformação, é essencial conhecer as mudanças químicas e físicas que ocorrem durante a torra. Uma das reações mais importantes é a de Maillard, na qual açúcares e aminoácidos interagem sob altas temperaturas, gerando compostos que contribuem para o aroma e o sabor característicos do café. Além disso, a caramelização dos açúcares adiciona notas doces e tostadas à bebida, enquanto a degradação de ácidos impacta a acidez e o equilíbrio do café. Durante a torra, os grãos também perdem umidade e sofrem expansão, resultando em mudanças estruturais que afetam a solubilidade* dos compostos na extração.
Diferentes métodos e escalas de medição foram desenvolvidos para avaliar e padronizar o grau de torra. A escala Agtron, amplamente utilizada na indústria, mede a coloração dos grãos torrados, classificando-os de claros a escuros. Outras abordagens, como o ABG Color System e a análise espectrofotométrica, oferecem a avaliação da tonalidade e composição química dos grãos. Dentro desse universo, a escolha do ponto de torra influencia diretamente a experiência sensorial e até mesmo os benefícios do café para a saúde.
As torras claras e médias, predominantes no universo dos cafés especiais, preservam melhor os compostos do grão. A cafeína, os ácidos clorogênicos e os antioxidantes naturais são menos degradados em torras mais leves, o que faz com que esse tipo de café ofereça maiores propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. Além disso, a torra mais leve mantém as características de origem do grão, permitindo que suas notas sensoriais – frutadas, florais ou cítricas – sejam percebidas com mais clareza.
Nos cafés especiais, a torra clara e média são escolhas frequentes porque respeitam a complexidade do grão. No entanto, isso não significa que toda torra escura seja ruim. Existem perfis de torra escura bem-executados que ressaltam notas achocolatadas e caramelizadas, ideais para métodos como espresso e cafeteira italiana, onde um corpo mais intenso e baixa acidez são desejáveis.
Diferente das torras excessivamente escuras, que muitas vezes são usadas para mascarar defeitos na matéria-prima. O problema está na carbonização do grão, que não apenas encobre seus atributos sensoriais, mas também pode trazer sabores desagradáveis e amargor exagerado. Escolher um café de torra escura bem-feita, com matéria-prima de qualidade e perfil sensorial equilibrado, pode ser uma excelente experiência para quem aprecia bebidas intensas.
Entre os especialistas que mais contribuem para o aprofundamento desse tema, destaca-se a pesquisadora brasileira Verônica Belchior. Com doutorado em Ciência dos Alimentos, Verônica desenvolve estudos sobre a química da torra e sua relação com a qualidade sensorial do café. Sua pesquisa inclui o uso de espectroscopia no infravermelho e ressonância magnética nuclear para identificar compostos presentes nos grãos e entender como variáveis como tempo e temperatura afetam o perfil sensorial do café. Além disso, como cofundadora do projeto The Coffee Sensorium, ela tem um papel fundamental na disseminação do conhecimento científico sobre café, ajudando profissionais a aprimorar suas habilidades sensoriais e técnicas de avaliação.
Compreender a torra não é apenas uma questão técnica – é um caminho para a excelência na xícara. Escolher o ponto de torra ideal para cada café e método de preparo permite que os apreciadores explorem novas possibilidades e encontrem sabores que mais combinam com seu paladar. Afinal, o café especial é uma jornada, e conhecer cada etapa desse processo enriquece ainda mais a experiência de quem busca qualidade em cada gole.
*Solubilidade refere-se à capacidade dos compostos do café de se dissolverem na água durante a extração. Grãos torrados mais leves tendem a reter mais estrutura celular, dificultando a extração de alguns compostos, enquanto torras mais escuras tornam os grãos mais porosos, facilitando a solubilização, mas também aumentando a liberação de sabores amargos se a extração não for bem controlada.
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